Ao longo dos tempos podemos facilmente constatar que o ser humano sempre teve muito mais facilidade em adotar, rituais, práticas e terapias energéticas do que mergulhar profundamente numa prática espiritual profunda e transformadora. Se assim não fosse certamente que a humanidade estaria numa patamar evolutivo muito mais apurado. Essas práticas terapêuticas esotérico-energéticas sempre foram associadas à espiritualidade e muitas sim, estão invariavelmente ligadas à espiritualidade, mas não são espiritualidade em si. Queremos dizer com isto que o facto de usarmos terapias energéticas, terapias holísticas, de cura, de termos práticas ou rituais religiosos ou espirituais, não faz de nós pessoas espiritualizadas, não é condição suficiente para estarmos no caminho da nossa evolução espiritual.

Os dias que vivemos mantêm a tendência. Com o advento crescente de novas tecnologias e da enorme velocidade com que circula a informação é natural que a expansão destes conhecimentos, também cresça exponencialmente como todo o conhecimento em geral, inclusive o número de pessoas que optam por viver dessas práticas é cada vez maior acelerando a sua divulgação. Ainda bem que a divulgação é crescente, mas temos de ter algum cuidado e discernimento e verificar se não estamos a cair numa ilusão por nós criada.

Este não é um texto que critique ou condene qualquer tipo de prática, conhecimento ou terapia, antes pelo contrário, muitas são fundamentais e terão de acompanhar inevitavelmente o crescimento espiritual. Queremos apenas vincar e desmistificar o equivoco que se faz entre os dois que mais não é do que consequência do desconhecimento ou de um mar imenso para o ego se expressar e fugir ao verdadeiro trabalho espiritual, dando-nos a impressão de navegar nas águas da espiritualidade, mas nunca chegando a porto algum.

Quando temos alguma situação que nos leve a procurar ajuda e entendimento sobre o que se passa connosco, procuramos o que nos faz mais sentido ou algo que alguém nos aconselhou. Temos imediatamente a tendência natural de seccionar o problema em físico, psicológico, emocional, social ou relacional, isso leva-nos a fazer a escolha terapêutica que eventualmente mais se adequa ao nosso caso, dificilmente temos um visão abrangente que nos permite observar-nos como um todo, pois se alguma disfunção se manifesta é porque o todo não está em equilíbrio, em harmonia interna e consequentemente com o ambiente. Então vamos fazer uma terapia energética, uma limpeza espiritual, uma terapia quântica, emocional, cura apométrica, ou fisicamente procuramos as curas naturais ou alimentação natural. Procuramos ainda conhecimento e informação no esoterismo, na religião, na meditação, na astrologia, no tarot, na oração ou no misticismo em geral, em fim, uma infinidade de coisas que nos propõem sempre uma cura, um conhecimento, uma solução que nos revela o desconhecido e que até pode temporariamente resolver, que até pode trazer-nos uma motivação extra, o vislumbre de um novo caminho. Tudo terá o seu fundamento e fará para cada um, mais ou menos sentido, no entanto nada disso valerá a pena se cada uma não fizer a sua parte.

O planeta Saturno, o grande maléfico, o planeta da morte, considerado assim na astrologia tradicional, mas que na astrologia moderna adquiriu um significado talvez menos radical, mas que matem todas as suas características no sentido de fazer morrer em nós questões do passado para que possamos, a partir de uma nova base estrutural e emocional, encontrar a libertação dessa condição. Considerado o planeta do carma, ele pede sempre responsabilização e tomada de consciência sobre as nossas questões para que possamos ultrapassá-las. Seja qual for a sua localização no nosso mapa natal, ele irá inicialmente, nessa área de vida, condicionar e restringir, pois indica-nos sempre algo que tememos ou que desvalorizamos, mas é aí que estão as grandes questões a superar. Ele dá-nos esse tempo de vivência, de aprendizagem inicial, para que a partir dessas experiências possamos mais à frente, adquirir consciência e direcionar as nossas escolhas no sentido evolutivo, assim tenhamos coragem para as seguir. Quando isso não acontece, ele tem os seus recursos para nos direcionar, nem sempre da forma mais agradável daí a fama dele de maléfico. Na verdade, ele só é temido por aqueles que o desafiam, pois quem o aceita encontrará o aliado perfeito para cumprir o seu propósito cármico e não só, tudo depende das escolhas que fazemos.

Ter muito conhecimento nestas áreas também não faz de ninguém um ser espiritualizado ou consciente do seu desígnio. Nada do que adquirimos como conhecimento valerá a pena se não nos rendermos a Saturno, se não fizermos o que tem de ser feito.

Todo o conhecimento desprovido de prática é inóspito, arriscando-se a permanecer apenas ao nível da mente, da teoria, sem qualquer utilidade prática. Saturno não pede grandes teorias, pede prática e mão na massa, pede ação, concretização, realização, é de pensar e fazer, é isso que fará a diferença na nossa vida.

Resumidamente, quero dizer para estarem atentos e observem se não andam distraídos com essas atividades, a passar tempo. À espera de um dia  perceber o que é para mim, um dia vou perceber porque sou infeliz, porque sinto o que sinto, porque deprimo, porque sou ansioso, à espera que um dia surja um guru que me guie ou uma alma iluminada na voz de algum terapeuta que me vai dizer exatamente aquilo que eu quero ouvir e aí sim eu fico finalmente a saber. O que queremos ouvir é o que o nosso ego preconiza para nós, não é o que realmente precisamos ouvir, por isso quando nos chega alguma informação, sentimento ou emoção, temos de aprender a ouvir com o coração e não com a mente, pois ela é demasiado limitada e condicionada para entender o que realmente precisamos ouvir.

Para quem procura conhecimento nestas áreas, quase de certeza que já se deparou com os ensinamentos dos grandes mestres, com as leis universais e quantos de nós poem em prática o que foi lido ou aprendido? A maioria acha interessante, aceita essas verdades, até as divulga, mas depois fecha-se o livro, acaba o workshop e não se passa nada, a rotina, o ego, as crenças assentes, tomam conta de nós e raramente trazemos algo de novo ou impactante para a nossa vida.

Independentemente de ter a sua prática espiritual, de meditação, yoga, de fazer as suas terapias energéticas, os seus retiros, os seus cursos e workshops, de ler mais ou menos livros… tudo isso poderá ajudar, mas poderão também ser apenas paliativos que não valerão de nada se você não fizer a parte difícil. E onde está essa parte difícil? Sim, porque quase sempre é difícil. Algumas pessoas acabam por fazer a parte difícil, encontram o seu caminho e não fazem nada disso, simplesmente porque usam esse atalho enorme chamado coragem, aceitando e simplesmente fazendo, responsabilizando-se e criando um plano para mudar as suas vidas, superando quase sempre as suas zonas de conforto e as suas crenças limitantes.

A parte difícil, a parte que temos dificuldade em aceitar como sendo a tal, a que vai fazer a diferença, a que contraria tanta coisa que adquirimos, que conquistamos e que não estamos dispostos a abdicar, esta parte penosa é como uma montanha rochosa que esconde do outro lado um vale imenso florido cheio de oportunidades e prosperidade, uma montanha que temos obrigatoriamente de subir e conquistar com coragem e determinação.

A nossa evolução como seres, a nossa espiritualidade começa na capacidade que temos de nos observar e aceitar como somos imperfeitos em tantos aspetos. Aceitar que o que temos a fazer não está de forma alguma no lado material, mas sim ao lado subtil da vida, está nos nossos talentos reprimidos, nas emoções, nos sentimentos, no nosso comportamento, na nossa inércia, nos nossos pensamentos, na forma como nos relacionamos e como criamos. É para estas áreas que temos de direcionar tudo o que aprendemos e fazer uma constante avaliação de forma fazer crescer em nós um ser melhor a cada dia. Isto requer crença e coragem, pois antes de subir a montanha ninguém saberá o que está para lá dela, o merecimento, a revelação, será sempre para quem chega ao seu cume.

Carlos Dionísio

03/03/2021