Entre o que somos e o que julgamos ser, existe um Muro imenso que construímos paulatinamente ao longo da vida. Nascemos e ficamos sempre do lado do que julgamos ser e aí construímos esse muro que quanto mais se eleva mais difícil nos é ver para o outro lado onde podemos ser quem realmente somos.

Ao nascer começamos a edificar essa barreira a partir do ambiente onde nascemos. Já trazemos também uma predisposição de outras vivências passadas que é potenciada pelas condições que vimos encontrar. Numa primeira fase de vida, construímos os alicerces emocionais, as bases que nos vão permitir aos poucos, tijolo a tijolo, erguer essa construção.

Os alicerces adquiridos na infância, principalmente nos primeiros anos de vida, são de origem inconsciente. Em qualquer construção os alicerces são a parte invisível, mas que sustenta tudo o que se vê. Quando começamos a erguer o nosso muro, esquecemos completamente o que o sustenta pois ficou subterrado no nosso inconsciente, mesmo assim ele continua presente, sustentando tudo o que nós somos ou julgamos ser.

A determinada altura, temos os alicerces à superfície da terra e começamos a construir o nosso muro. Feito de crenças, pensamentos, emoções, dependências, frustrações, ambições, inveja, medo, entre outros. Esses são os tijolos que vão fazendo subir o nosso muro e que são colados entre si, por uma argamassa energética adequada que cola e sustenta tudo aquilo que acreditamos ser. Sempre que tentamos colocar genuinamente tijolos de outra natureza energética, de amor incondicional, solidariedade, compaixão, gratidão, aceitação, esse muro não sobe, retiramos sim fiadas que baixam a sua altura, são tijolos de desconstrução.

O muro sobe em altura cada vez que insistimos, cada vez que a vida nos traz sinais e ignoramos, continuando a repetir e a acreditar que é deste lado que está a solução para tudo. Deste lado do muro está tudo o que nos ensinaram a ver, tudo o que nos fizeram acreditar que é para nós. Estão também todas as coisas que nos prendem a este lado e que nos limitam a ver para lá do nosso muro.

De vez em quando há um tijolo que se solta e nos cai na cabeça e nos provoca sofrimento, por momentos deixamos de erguer a nossa “obra” e fazemos uma pausa. Uma pausa preciosa que se for abordada com consciência poderá pôr em causa toda a construção.  Quase sempre não estamos dispostos a abdicar desse nosso projeto que já leva tantos anos de dedicação. No entanto, não aceitamos o sinal de um dos tijolos ter caído, poder significar algo de errado na planificação do nosso muro. Custa muito aceitar tamanho erro depois de tantos anos. Fazemos o curativo colocamos o tijolo dissidente no lugar e continuamos erguendo mais umas fiadas bem cimentadas pela argamassa energética adequada.

Se mantivermos as nossas crenças e o nosso padrão mental o muro cresce a cada momento que passa. Com os anos ele atinge cada vez mais altura e quanto mais alto, maior o risco de um tijolo se desprender e nos provocar danos físicos maiores, ao ponto de haver muros que já não suportam mais peso e cada vez que tentamos colocar mais uma fiada, ela se desmorona arrastando consigo muitas outras fiadas já antes erguidas, provocando dores imensas e sofrimento.

É a nossa persistência em construir mais do mesmo que parece querer desvendar o outro lado do muro, deitando-o por terra. Quando o nosso muro tende a desmoronar e por vezes já estamos a observar tijolos a cair à muitos anos, é um sinal de que temos de ver o outro lado. Aí começamos a ter a perceção de que há algo para nós, algo nosso do outro lado e que sempre recusamos ver.

Quando aceitamos por fim desfazer esse muro, deixamos que ele baixe até à nossa altura para que possamos ver para lá dele. Ao aceitarmos novos valores, uma nova consciência começa a tomar conta de nós, a argamassa energética que sustentava o muro começa a dissolver-se, e um a um, os tijolos desprendem-se, vão caindo, mas já não nos afetam porque temos consciência de onde e quando eles se soltam.

O trabalho de desconstrução do muro envolve empenho, quase nunca é fácil, qual obra a ser destruída pelo artista depois de tanto sacrifício e crença, mas é o facto de ele estar ali a desmoronar-se que nos deverá criar no mínimo, a curiosidade de saber o que está para lá dele.

Para lá do Muro o que vamos encontrar?

Não é o paraíso nem a fórmula da felicidade, é antes de mais, um enorme desafio, o nosso verdadeiro desafio.

Do outro lado do muro (lado B) adquirimos em primeiro lugar, a consciência de como é viver do outro lado (lado A). Só sabendo o que existe no lado B poderemos avaliar e ter consciência de como é viver no lado A. Temos finalmente consciência da existência de uma matrix, pois ninguém pode querer sair de algo que nem sabe que existe. Só tendo dois lados podemos saber que outro lado existe, até lá vivemos apenas numa ilusão fechada em si mesma (lado A)

Vivemos num mundo dual onde precisamos sempre de um oposto, de um termo de comparação para dar sentido a tudo na vida, mas nesta matéria, enquanto não adquirimos consciência Universal, enquanto não vamos ao lado B, vivemos na ilusão na busca desse sentido dual que faz parte da nossa essência. Sentimos sempre, enquanto estamos no lado A, que nos falta sempre algo, por muito que busquemos, falta-nos o outro lado B para podermos dar sentido à nossa existência. A dualidade é essencial nesta dimensão, ela faz parte do nosso processo de crescimento neste patamar evolutivo, sem ela nada faria sentido, da mesma forma que enquanto não encontrarmos o nosso lado B nada fará sentido, é assim a lei para o nosso projeto planetário que faz parte de um todo Uno que é o Universo. É rumo à unidade que caminhamos, mas para já, precisamos desta experiência dual que nos é proporcionada e da qual devemos tirar o máximo proveito no sentido evolutivo.

De acordo com a qualidade do material de construção usado no nosso muro, assim será o grau de dificuldade para o dissolver. O que temos a aprender numa primeira fase, tem mais a ver com este processo de construir e desconstruir, é aí que vamos encontrar as grandes lições, as perdas, os retrocessos, o sofrimento, mas também é aí que encontraremos todas as oportunidades, todos os incentivos de mudança e da nova perspetiva que teremos da nossa existência.

Para desconstruir um muro, teremos apenas de deixar de colocar mais tijolos e argamassa energética, esse muro sustenta-se apenas se formos pondo mais dos mesmos tijolos e mais da mesma argamassa, quando deixamos de por, ele perde força e vai-se desmoronando, deixamos de por resistência, passamos a aceitar, a deixar de querer mais do mesmo, assim ele vai baixando, vai perdendo imponência até nos revelar o outro lado, o lado da nossa essência onde somos encaminhados a escolher por nós, pela nossa alma, onde adquirimos a perceção exata dos dois lados, podendo escolher onde queremos ficar. Adquirimos a consciência de que somos seres espirituais e que o nosso lado, o lado que nos preenche é o outro lado (lado B). Ele começa por nos ser ocultado por um muro por nós erguido, mas é o nosso processo evolutivo que nos exige a sua desconstrução, essa a missão de vida que exige, determinação, ação, crença, e consciência plena sobre tudo o que nos rodeia.

Temos de por em causa qualquer muro que pensemos construir pois ele pode estar a ocultar uma verdade, uma oportunidade única de fazermos desta vida algo útil, algo de precioso para a nossa evolução. As oportunidades existem para todos os que por aqui vamos estando, mais ou menos ocultas pelos muros, cabe a cada um olhar para cima e ver quão alto ele vai ficando, quando mais alto, mais difícil de desmanchar, mas por vezes basta retirar uma peça do meio para ele colapsar, nada é perene.

Não é difícil olharmos à nossa volta e observarmos pessoas com construções imensas ao seu redor, que se encaixam umas nas outras, construindo imensos labirintos, onde temos o nosso muro de um lado e outros muros nos outros lados, parece-nos quase impossível sair dessa estrutura. No que diz respeito aos muros dos outros nada podemos fazer, mas nunca nos devemos esquecer que o nosso muro está ali e será sempre uma saída para o outro lado, basta querer, assim nós tenhamos a força e a consciência para o fazer desmoronar. Essa nossa iniciativa de abrir uma brecha nesse labirinto, nessa estrutura rígida, será sempre, pelo exemplo, uma forma de os outros olharem para lá do nosso muro ou pelo menos o que resta dele. Faremos a diferença não por tentar derrubar os muros dos outros mas sim por trabalharmos constantemente, a vida toda, na desconstrução do nosso.

Erguemos o nosso muro, construímos com os outros, labirintos, acreditamos que nesse emaranhado está tudo o que existe, deixamo-nos conduzir pelos caminhos desenhados por múltiplos muros erguidos a toda a hora a todo o instante, ao ponto de não conseguirmos reter em nós o ar, ter consciência dele, ar que durante uns instantes é apenas nosso e existe nos dois lados do muro, é ele que nos traz a boa nova da existência de um outro lado, é ele que nos traz a leveza de Ser e nos leva a criar asas e voar, e assim elevarmo-nos o suficiente para conseguirmos observar o labirinto, por cima do muro mais alto já mais erguido.

Carlos Dionísio

02/11/2020