O poder do perdão é imenso no nosso processo evolutivo e na manutenção que devemos fazer constantemente da nossa vibração, ele é libertador, leva consigo as amarras que nos prendem aos valores materialistas e às grilhetas do ego.

Não devemos transportar connosco qualquer mágoa ou ressentimento por algo que aconteceu no passado, devemos limpar essas memórias fazendo isso não pelos outros, mas por nós próprios.

Se por alguma razão nos sentimos ofendidos por alguém, por atos ou palavras ou até fisicamente, é porque esse alguém nos atingiu de alguma forma no nosso orgulho, nas nossas crenças ou na nossa dignidade. Perante esta situação temos duas hipóteses, ou perdoamos profundamente ou ficamos com esse ressentimento connosco, no mínimo pode ficar apenas uma desconfiança. Mesmo tendo perdoado o outro, devemos sempre ter em atenção o que fica em nós depois desse perdão, muitas vezes apenas verbalizado.

Perdoar mas não esquecer, não é solução, esse pode ser um sinal evidente de que o perdão não foi conseguido profundamente, se não foi esquecido há que perceber em que zona das nossas memórias isso está guardado e que especie de emoção ou sentimento nos trazem, por outro lado. quando perdoamos e esquecemos, aí sim o perdão foi verdadeiramente alcançado, sinal de que não há qualquer resíduo em nós desse passado.

Se nos sentimos atingidos é porque somos vulneráveis nessa matéria, trabalhar essa vulnerabilidade é a forma mais profunda de encetar um processo de perdão relativamente a alguém, pois ao anularmos esse ponto ou ao transcendê-lo, estamos a reformular a necessidade de perdão. Perdoar não é aceitar o erro do outro, mas sim entender em nós o porquê de esse erro nos ter atingido de alguma forma, é aí que reside a capacidade de perdoar que trabalhada até às últimas consequências exclui a necessidade de perdão por completo em qualquer situação.

Para exemplificar até onde vão essas últimas consequências, lembramos a crucificação de Jesus, que nunca sentiu a necessidade de perdão pois estava em si a consciência plena de que estava a lidar com seres que não sabiam o que faziam. Este é o exemplo máximo de que tudo na vida é passível de perdão, ou melhor ainda, nada é preciso perdoar porque tudo é como é, partindo de uma consciência elevada que entenda a vida muito para lá da situação em si.

O problema de não perdoar profundamente é que corremos o risco de levar algum resíduo de ressentimento connosco e isso dificulta o nosso equilíbrio energético e o nosso processo evolutivo, pois cada vez que revivemos o acontecido ou aquela pessoa, estamos a vivenciar as mesmas emoções, a fazer emergir algo que está apenas em nós e que não foi resolvido. Se ainda nos afeta é porque está em nós. Cada vez que isso é aflorado é mais uma oportunidade de fazer este processo interno de perceber o porquê de mantermos em nós ainda qualquer espécie de ressentimento. Isto é algo que devemos fazer apenas por nós, e não pelo outro. Muitas vezes falamos de situações que se arrastam durante anos e até vidas, ressentimentos somados a ressentimentos que vão sendo levados e durante a vida e no seu crepúsculo têm o seu peso, inclusive no processo de desencarne, que deve sempre estar o mais possível, livre de qualquer tipo de ressentimentos ou ansiedades.

Perdoar não é um ato ou uma palavra a ser dita, mas sim um processo que devemos encetar em nós cada vez que for preciso. Sempre que é feito com profundidade limpamos algo em nós, descobrimos mais uma centelha de libertadora, trazendo leveza à nossa vida e ao nosso dia a dia.

Perante uma situação empolgada, nem sempre pedir perdão é uma necessidade, pois ela normalmente fica oculta por outros sentimentos, digamos que à flor da pele. Da mesma forma que se não temos consciência do impacto que a nossa atitude tem no outro, também não temos essa necessidade, seja ela deliberada ou instintiva.

Assim sendo, não podemos esperar que nos peçam perdão para conseguir resolver a questão, podemos manifestar sim, o nosso desagrado ao outro, mas nunca ficar dependente do seu pedido porque muitas vezes ele nem tem consciência do que fez, mas o ressentimento fica connosco e é disso que devemos tratar.

Se tivermos necessidade de pedir perdão, devemos fazê-lo frontalmente assim que tivermos consciência do nosso ato, e aí perceber porque agimos daquela forma para que o possamos evitar futuramente. Esta é uma atitude que reverte o carma que eventualmente possamos acumular nesta vida, uma forma de limpar pelo arrependimento.

Perdoarmo-nos por algo que fizemos também é imperativo, depois do arrependimento devemos começar por pedir perdão se envolver outra pessoa e depois ver o que ficou em nós dessa atitude. Observar se é algo recorrente e a ser corrigido e não entrar num processo de autoflagelação, aceitar o erro mas entender o porquê de termos agido dessa forma. Errar é humano, mas errar muitas vezes da mesma forma é falta de consciência.

No entanto nem sempre os nossos atos são deliberados e com intuito de ofender alguém, eles podem, no entanto, tocar o outro em alguma das suas vulnerabilidades emocionais ou existências e aí somos apenas um inocente veículo que proporciona essa aprendizagem ao outro.

Perdoar nem sempre é fácil, mas ter sempre presente a vontade de o fazer é meio caminho andado. Há sempre a tendência de ir à procura no outro das razões para poder perdoar, ou porque esperamos um pedido de perdão, ou que essa pessoa mude de atitude, mas na verdade a capacidade de resolver o perdão tem de vir de dentro de nós e não do outro, da nossa capacidade de aceitação, de desvalorizar o sucedido e que quase sempre tem a ver com a  reformulação dos nossos valores e do ego.

Como podemos saber se o perdão já aconteceu em nós?

Observe como fica quando fala dessa pessoa, veja qual a emoção que lhe surge quando pensa nisso. A qualidade do que sente é que lhe vai dar a certeza se tem ou não isso resolvido em si. Se não tiver terá de aprofundar mais ainda, normalmente o distanciamento e o tempo criam indiferença, mas isso não quer dizer que a razão profunda esteja resolvida, ela pode surgir noutra ocasião.

Não adianta fugir das situações ou das pessoas, o que você sente é seu, são memórias que surgem sempre que você se confronta de alguma forma com essa pessoa ou situações idênticas. Também não quer dizer que tenha de manter a relação com essa pessoa, o que conta são as memórias, no entanto vá fundo na busca de respostas e agradeça ter essa oportunidade, agradeça essas pessoas estarem na sua vida e que lhe proporcionam a possibilidade de trabalhar esse aspeto, agradeça e ponha consciência plena nessa causa. Cada caso é uma causa que você vai defender e aprofundar em si. Peça ajuda se tiver dificuldade neste processo, quase sempre a capacidade de perdoar envolve questões e memórias suas que o bloqueiam.

Se quiser ainda aferir o seu grau de espiritualidade comece por observar como está a sua capacidade de perdoar e de se pacificar perante os outros, gradualmente entenderá que não precisa de perdoar nada nem ninguém para ficar em paz consigo próprio.

Verá que quando pacificar essas emoções, esse atrito aí dentro, o que se passa fora perde qualquer importância, como um espelho que se parte e no qual você deixou de se refletir. Aí essas pessoas entram no seu baú da compaixão e do amor incondicional, lidará ou lembrar-se-á delas sempre dessa forma. Esse baú onde tudo cabe onde tudo é eterno, onde tudo é como é, longe do julgamento e do perdão.

 

Carlos Dionísio

23/11/2020